terça-feira, 17 de maio de 2011

O Sentido da Vida

Outrora, me entreguei a vida de uma forma total, estava livre e castrado de todas as agruras e pudores daqueles dias, livre dos “porquês” da maioria: dos semoventes ou deficientes, mendigos, chefes, peões, estudantes, estagiários, falsos independentes, liberais, anarquistas, socialistas, conservadores, escravos disfarçados de homens e mulheres livres, pais, mães, filhos e espíritos santos, que se dirigiam para seus trabalhos em seus carros financiados em trocentas vezes e em frias paradas de ônibus, enquanto eu me dirigia pra casa sentindo hora pena, hora inveja, mas no fundo ainda sentia o peso dos pensamentos, vivia em um sem-número de buracos negros provocados, muitas vezes, por minha própria natureza e a minha necessidade de viver momentos especiais de renovação para alma e o espírito, transcender a minha miséria, descobrir quem sou, a que vim, descobrir o infinito, a sabedoria e o poder da natureza.
O caminho era mais longo do que eu esperava, depois de um ônibus bem demorado e mais uma carona de camioneta junto com uns porcos enormes e fedorentos, não sei se eu estava mais incomodado com os porcos do que eles comigo, segui por uma trilha estreita e cheia de galhos com espinhos, enfrentei até a fúria dos bugios que me cercaram fazendo aquele ruído incrível, que mais parece um motor ligado, ou algo assim, dizem que eles atacam com as próprias fezes, causando extrema irritação na pele humana, mas por sorte não chegaram a me atacar, não sei como não me perdi no meio do mato, mas enfim, quase cinco horas depois, todo arranhado e fedendo como um porco, cheguei à praia do tigre, nas longínquas de Itapuã, muito tempo antes de se tornar uma reserva.
A imagem foi incrível, uma praia lotada. Fui direto para a água, precisava do banho. De dentro da água com uma visão panorâmica da praia logo pude perceber uma expressão, uma beleza única e rica, a relação das pessoas com a natureza, com a espiritualidade. A minha ignorância sempre me afastou da idéia de que coisas assim fossem tão possíveis, lembrava o “Hair”, era como uma comunidade hippie. Podem existir muitas diferenças entre a idéia que se tem de realidade e a própria realidade, a diferença entre as pessoas, mas na primeira impressão, surpreendi-me, a coisa mais aparente é que para aquela praia não existem diferenças, fui muito bem recebido por todos, principalmente as crianças.
O Cara mais curioso entre os adultos era “Jerônimo”, era da minha faixa etária, mas já freqüentava a praia do tigre há mais tempo, pois esse cara passou a ser meu amigo. Jerônimo foi muito atencioso, me falou sobre vários costumes bem interessantes deles, como as práticas que são freqüentes e se estendem por muitas horas através de meditação, cantos, danças e discursos para ajudá-los a obter boas condições do tempo, evitar problemas familiares ou imprevistos. É uma praia pequena, isso me permitiu conversar com quase todos ali, em pouco tempo, ninguém me pareceu oferecer resistência a minha aproximação, Mas o que eu realmente pleiteava no meio disso tudo? Logo perceberam que eu queria ser aconselhado, ter algum conhecimento, sabedoria. Foi então que Jerônimo disse que já sabia o que eu estava procurando, me levou até um nativo que vivia sozinho num lugar afastado.
Numa cabaninha bem simples feita de costaneira e telhado de santa-fé encontramos João, 80 anos mais ou menos, preto, cabelo grisalho, fumava um cachimbo, um chapéu esquisito, fomos apresentados. Com uma linguagem peculiar, difícil de reproduzir com a escrita, logo de cara já solta uma:

“O menino (era eu, tinha 18 anos) é preguiçoso, dorme mais cedo, para acordar mais cedo, o homem que o faz, fica rico e cheio de mulheres, como eu.”

João e Jerônimo soltaram uma gargalhada assustadora, fiquei constrangido, demorei a descontrair, comecei a rir também de tantas outras brincadeiras que aconteceram, João era muito bem humorado, sempre, mesmo quando depois de um tempo falava sério:

“Confuso, com medo de me encarar?”

Confessei que fiquei com medo, mas simplesmente porque tenho medo de tudo, vertigens e fobias de todos os tipos.

“Tens medo de escuro?”

-não, adoro a noite.

“Pois deveria.”

E aí, João fitou-me dentro da alma.

“A noite às vezes é muito clara, e poderás encontrar a escuridão em plena luz do dia.”

Voltei naquela casinha muitas vezes depois. Cada visita o velho mestre me ensinava um velho ensinamento, de graça, só pelo simples prazer de transmitir sua sabedoria.

Apontar erros é a crítica que destrói, mas ajudar é apresentar sugestões de melhorias e mostrar o caminho para o outro se renovar.”

Sem conhecer as palavras escritas ele conseguia desenvolver trocadilhos, utilizando apenas a sonoridade.

“O menino procura respostas para o seu EU, está no centro de Deus, e Deus está na criança dentro de nós. Quem a nega, nega também sua criação.”

Criança = Criação, Deus = Eu (D’eu’s)

Com certeza aquele homem era uma figura linda, e suas palavras, tomei como filosofia de vida para sempre. E o que fez mais sentido, ainda relacionado a crianças, coincidência ou não, li num livro de um filósofo norueguês, muitos anos depois, que contém basicamente a mesma idéia dele.

“A Criança é o centro do universo. Viemos para o mundo para sermos crianças e vivermos os momentos mágicos da infância, depois que nos tornamos adultos a vida perde o sentido? Não. Nunca esqueça que temos que viver em função de outras crianças. Este é o sentido da vida.”

Um comentário:

  1. Que lindo isso And?É veridico?Adorei estás escrevendo muito bem,parabéns!!

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